- Olha, é pra você. Essa pode ser a nossa árvore. E
sempre que você quiser sentar em algum lugar pra refletir, ou pra ouvir os
pássaros, é só vir aqui.
- Obrigada, Erick! – Malu sorriu e deu-lhe um beijo
no rosto – Acho que eu preciso ir agora. Daqui a pouco anoitece e meus pais já
devem estar voltando pra casa.
- Tudo bem.
- Ah, semana que vem vou convidar a Clara pra nadar
lá em casa. Ela
me pediu isso a semana toda, mas eu só fico enrolando.
- Então eu posso ir também?
- Claro! Você já teve amigas, ou só amigos?
- Eu não converso muito com as meninas. Você é a
minha primeira amiga. A Clara já falou comigo algumas vezes, mas eu não fui
muito com a cara dela.
Malu deu uma risadinha e se despediu de Erick.
A avó de Erick disse:
- Você gosta mesmo dessa menina, hein?
- Gosto muito, vó. Queria que minha mãe estivesse
aqui para conhecê-la.
- Eu sei, meu amor, mas sua mãe deve estar muito
ocupada lá no interior com os novos negócios do seu pai. Qualquer dia desses
você pode convidar a Malu pra passear por lá.
Na segunda-feira, Clara foi falar com Malu no recreio
da escola:
- Eu vi você saindo da casa do Erick, no sábado.
Parece que seu fim de semana foi ótimo, né?
- Foi sim! Como você sabe?
- Você tá toda sorridente. Pelo visto você preferiu
ficar na casa do Erick do que me chamar pra nadar.
- Não, foi ele quem me convidou e chamou meus pais
também para almoçar lá. Ah, mas não fica chateada, porque sábado que vem você
pode nadar na minha casa.
- Vou pensar. Nem to mais com tanta vontade.
- Que pena, porque ia ser muito divertido. O Erick
também vai.
- O Erick vai?
Malu percebeu que Clara havia mudado sua fisionomia
de repente.
- Eu... Vou pensar e te falo mais tarde.
Malu olhou desconfiada para Clara. Clara realmente não podia perder aquele sábado na casa de Malu,
simplesmente porque Erick estaria lá. E Malu passou o resto da aula pensando
nisso.
À tarde, Erick chamou Malu para conversar embaixo da
árvore. Ele reparou em Malu e disse:
- Você tá estranha hoje, meio distante. Foi alguma coisa que eu te
fiz? Malu... olha pra mim...
- Não, Erick, desculpe. – Malu pegou na mão do
menino. – É a Clara. Ela realmente é estranha, concordo com você.
- O que ela te fez?
- Nada, eu também não fui muito com a cara dela, mas
eu entendo que ela deve ter seus motivos para ser assim. É só isso.
- Que bom que tá tudo bem entre a gente... porque
eu to morrendo de vontade de nadar na sua casa no sábado. Vamos tirar uma foto
nossa? – disse Erick, pegando seu celular no bolso.
Os dois passaram a tarde rindo, conversando e tirando
várias fotos. A mãe de Malu chegou em casa e a viu do outro lado da rua. Ela chamou a filha:
- Malu! Vem pra casa! Você sabe que horas são?
Erick olhou, assustado, as horas no celular e disse:
- É melhor irmos mesmo. Já passou da hora do lanche.
Minha avó deve estar sentindo a minha falta.
- Tudo bem. Tchau, Erick! Ah, depois vc me conta
sobre os seus pais, tá!
Eles se abraçaram e, naquele momento Malu não viu nem
ouviu mais nada. Sua mãe continuava chamando. Ela entrou em casa e seu pai
reclamou:
- Posso saber onde você estava até agora?
- Estávamos embaixo da árvore.
- Como assim, estávamos?
- Eu e o Erick ficamos conversando e acabamos
esquecendo a hora. Ele me contou que gosta muito de desenhar e me deu alguns
desenhos, olha!
Malu mostrou ao pai os desenhos que Erick havia lhe
dado.
- Foi só isso mesmo?
- E o que mais poderia ser, pai?
- Nada não, deixa pra lá – respondeu o pai e foi para
o quarto, furioso.
Sábado chegou. Malu mal conseguiu dormir naquela
noite, mas mesmo um pouco cansada, ajudou sua mãe a organizar a casa e a
preparar as receitas do almoço. Seria um dia inesquecível. A menina não parava
de andar, de um lado para o outro.
- Filha, por que está tão inquieta? – perguntou o pai
de Malu, incomodado.
- Ah, querido, deixa a menina! – intrometeu a mãe, e
continuou – É a primeira vez que ela convida seus amigos para passar o dia
conosco. É normal essa ansiedade.
O interfone tocou. Malu correu para atender a porta.
Era Erick e ela lhe deu um abraço.
- Que bom que você veio!
- Mas eu disse que vinha, por que achou que não?
Eles riram e correram para o jardim, onde ficava a
piscina. A mãe de Malu foi até lá e cumprimentou o menino. O pai de Malu estava
na sala lendo jornal e, da janela, apenas acenou.
- Seu pai parece ser bravo.
- Ele só não está num bom dia. Ah, e também ficou
furioso por causa daquele dia na árvore, lembra que eu te contei na escola?
- Até hoje ele está com raiva? Nossa! E a Clara, não
vem?
- Ela disse que ia pensar e me dava a resposta
depois, mas como ela não disse nada, eu escrevi meu endereço num papelzinho, na
escola, e entreguei pra ela. Não sei se ela vem. Enquanto isso, vamos beber um
suco?
- Claro, obrigado!
Erick pegou o copo da mão de Malu, olhando bem fundo
nos olhos dela. E, curioso, perguntou:
- Você já teve algum amigo, ou só amigas? Eu também
fiquei curioso.
- Eu... bem, lá onde eu morava conheci alguns meninos
que brincavam na rua com as meninas e na escola também, mas nenhum era tão
especial quanto você – respondeu ela, sorrindo.
Clara finalmente chega e interrompe os dois:
- Oi gente! Demorei? Estava preparando uns “muffins”
para trazer.
- Humm, adoro “muffins”! Minha avó faz um de cenoura
que é uma delícia! – disse Erick.
- Que bom, agora eu já sei do que você gosta! –
respondeu Clara.
Malu convidou seus amigos para nadar. Os três pularam
na piscina e inventaram várias brincadeiras. Na hora do almoço, a mãe de Malu
chamou-os para a mesa. Clara fez questão de sentar ao lado de Erick.
- Posso? – perguntou.
- Se faz tanta questão, por mim tudo bem – ele
respondeu.
Quem não gostou nada disso foi Malu. Seu pai percebeu
que ela estava morrendo de ciúmes e achou melhor deixar como estava; afinal,
sua filha era muito nova para se apaixonar por alguém. Malu, para não deixar o
clima menos agradável começou a fazer perguntas:
- Erick, e os seus pais? Onde estão?
- Eles se mudaram para o interior há dois anos. Sinto
muito a falta deles... – os olhos do menino se encheram de lágrimas.
- Ah, me desculpe, mas eu já estava curiosa há dias.
Não consegui me segurar – disse Malu.
- Não tem problema, Malu, como você ia adivinhar? O
meu pai usou quase todo o dinheiro que ele tinha para abrir algumas lojas e
investiu o restante do dinheiro em hortas e pomares para a minha mãe cuidar.
Ela é ótima com isso! E ele sempre sonhou em morar no interior e ter seu
próprio negócio.
- Entendo, mas por que você não foi com eles?
- Eu não me dou muito bem com meu pai. Ele sempre foi
muito durão e quando soube que eu queria ser desenhista não deu a mínima. Disse
que preferia que eu fosse um grande médico ou advogado, que isso é que era
profissão de rico. Já a minha mãe adorou e me deu todo o apoio. Eu sempre faço
alguns desenhos bem legais e envio pra ela, por correio. Sinto mais falta dela
do que dele. Ou melhor, não sinto falta dele...
- Então você preferiu ficar aqui com os seus avós?
- Claro, aqui é o meu lugar! Eu não preciso seguir o
meu pai nos sonhos dele. O que eu quero está aqui, e eu também aproveito para
fazer companhia e cuidar dos meus avós.
- Você é um bom menino, Erick – disse a mãe de Malu.
Clara sorriu para ele, que virou o rosto, olhando
para Malu. A mãe de Malu levantou-se, foi para a cozinha e voltou com um pudim.
- Hora da sobremesa! Vocês gostam de pudim de
chocolate?
- Claro! – respondeu Erick – Eu amo tudo o que é de
chocolate!
Clara apenas fez “sim” com a cabeça.
- Erick, qual é a sua comida favorita? – perguntou
Malu.
- É a lasanha de berinjela da minha avó. Nem a minha
mãe consegue fazer igual.
- Hummm, Lasanha! Eu também amo massas! – disse Malu
– E você, Clara?
- O que tem eu?
- Gosta de comer o quê?
- Purê de batata gratinado.
- Nossa, nunca experimentei. Deve ser bom!
Erick interrompeu:
- Malu, por que não vamos ficar debaixo da nossa
árvore? A Clara pode ir também, se quiser.
- Nossa árvore? – perguntou Clara, confusa.
- Na verdade é minha e do Erick, e é lá onde passamos
muitos momentos bons. Fica no lote ao lado da casa dele, do outro lado da rua.
- Eu sei onde é a casa dele. Mas por que vocês têm
uma árvore?
Embaixo da árvore, Erick começou a desenhar. Clara
sentou-se na entrada do lote, num toco que havia por lá.
- Vou desenhar a minha mãe pra você ver como ela é
linda – disse ele.
Clara, sentindo-se excluída, intrometeu:
- Ô Erick, por que você vive me evitando, hein? Eu
sou amiga da Malu, poxa.
- Calma, Clara! Ninguém tá te evitando – disse Malu.
- Mas é o que parece. Tudo ele só fala com você, só
mostra pra você... ah! E olha, Malu, ele já me evitava mesmo antes de você
chegar, parece que me odeia.
Erick ficou sem graça e se desculpou com a menina. Clara
sorriu, dizendo:
- Tudo bem, Erick, você está desculpado!
Alguns minutos depois, o desenho havia ficado pronto.
- Vejam, meninas! Esta é a minha mãe, não é bonita?
- Nossa, ela é muito linda mesmo! Você teve a quem
puxar – disse Malu, sorrindo meio sem graça.
- Ela é bonita, sim, Erick. Vocês dois têm sorte de
ter uma mãe, mesmo a sua, Erick, morando longe.
- Você não tem mãe? – perguntou Malu.
- Não, meus pais morreram quando eu tinha menos de
dois anos. Sofreram um acidente.
- Credo, que coisa horrível! Eu sinto muito...
Clara cansou de falar sobre aquilo e se irritou com
Malu, dizendo com grosseria:
- Tá, tudo bem! Eu nem sei como é viver com os pais.
Então não faz diferença, não precisa ter pena de mim...
- Não estou com pena de você, mas você deve sentir
falta deles.
- Como vou sentir falta de algo que nunca tive e nem
sei como é! E fique sabendo que o meu avô cuida direitinho de mim e me dá tudo
o que eu quero. Eu sempre tive tudo o que quis e nunca me falta nada.
Erick e Malu se olharam entristecidos.
No final da tarde, o avô de Clara chegou para
buscá-la. Ela abraçou Erick e Malu e entrou no carro. Malu comentou:
- Coitada dela, acha que é feliz só porque é rica. Eu,
pelo menos, sempre fui feliz sem ter luxo.
- É claro que ter tudo o que quer é muito bom, mas
ela nem deve ser feliz de verdade, parece que falta carinho, amor, sei lá...
Bom, eu também tenho que ir.
Malu deu um abraço bem apertado em Erick. Depois que
o menino foi embora, ela correu para o quarto. Sua mãe foi falar com ela:
- Filha, posso entrar?
- Oi mãe, pode sim. O que foi?
- Me diz uma coisa. Você está gostando do Erick?
- Bem... acho que sim. Deu pra perceber?
A mãe fez que sim com a cabeça.
- Ah, mãe, pensa bem! É impossível não gostar dele.
Além de lindo, fofo e inteligente, é super educado, um cavalheiro!
- Meu Deus, quantas qualidades! Então tá, eu só
queria saber. E eu quero dizer também que pode contar comigo, eu aprovo vocês
dois juntos e...
- Mãe! A gente nem tá junto ainda...
- Ainda, né! E toma cuidado com o seu pai, você sabe
como ele é. Não vai gostar nada dessa história, viu? Mas se depender de mim o
segredo fica guardado.
Malu abraçou a mãe, que lhe deu um beijo de boa
noite.
O domingo foi chuvoso e Erick não pôde visitar Malu.
Ela passou o dia mexendo no notebook. Mais tarde eles entraram no chat e
conversaram pela webcam.
- Oi Erick! Que dia chato. O que você tá fazendo de
bom?
- Bem, eu não estava fazendo nada bom, até você me
chamar! Meus avós estão jogando cartas e eu estava lendo um pouco.
- Hum, pensei que estivesse desenhando.
- Eu desenhei mais cedo. Deixa eu pegar aqui pra te
mostrar e... pronto! Esta é você, o que achou?
Malu, mais uma vez, ficou encantada. Erick fazia cada
desenho mais lindo que o outro.
- Eu amei! Mas está mais bonito do que eu sou de
verdade! – riu Malu.
- Claro que não, eu fiz o desenho do jeitinho que eu
te vejo. E não precisa ficar envergonhada, olha pra mim...
Malu levantou a cabeça e Erick sorriu pra ela.
- Se eu pudesse, ficaria aqui o resto do dia só
olhando para você.
- Ah, para, Erick! Deixa de ser bobo!
- Mas eu sou bobo mesmo. Vou ter que ajudar a minha
avó a preparar o jantar. A empregada tá de folga hoje e meu avô anda de
bengala, nem pode ficar muito tempo em pé.
- Tadinho! Eu vi ele andando de bengala quando fui
almoçar aí.
Os dois deram uma risadinha. Malu se despediu de
Erick e começou a imaginar se eles ficassem juntos, como seria. E então veio a
imagem da Clara em sua mente, e pensou:
- Será que a Clara gosta mesmo do Erick, ou eu to
ficando doida? Bem, seja lá o que for, eu acho que o Erick gosta de mim, então
eu preciso me preocupar só com isso.
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